Em mais uma das minhas crises, eu quase contei pros meus pais do que se passa. Desde a péssima convivência com o Carlos (que, pra ele, é indiferente), passando pela sensação de derrota ao ouvir incessantemente o nojo dos meus colegas quando surge o assunto "trabalho" na roda, e eu tento participar da conversa; até mesmo de tudo o que eu passei nos tempos de colégio e nunca contei. Nem pros meus irmãos, talvez nem mesmo aqui.
Escrevi a tal da carta no computador, guardei, mas não imprimi. Meu plano era esconder a carta de modo que Maria*, minha mãe, encontrasse facilmente. Na embalagem do presente de aniversário dela, que foi sexta-feira passada.
Achei golpe muito baixo, e não executei esse plano.
Daí, esses dias, estávamos almoçando aqui em casa. Havia todo um contexto sobre um novo acontecimento tipo este, mas o assunto se encerrou assim:
- Sabia, Zé*, que todas elas, a Juliana, a irmã dela e a mãe dela 'faz' terapia? - disse Maria, falando da namorada do meu irmão Gabriel.
- É? - respondeu meu pai, desinteressado.
- Pois é. Outro dia eu vi ela comentar não sei o quê do terapeuta. É uma fresca mesmo!
O assunto continuou, mas um zunido agudo e ensurdecedor alfinetava meu ouvido. Latejava.
"É uma fresca mesmo" ecoava no vazio do meu peito.
Até perdi o apetite. Dissimulei, engoli em seco, peguei a louça que usava e saí da mesa da copa. Não consegui mais ficar ali. Quer dizer, ela "é uma fresca mesmo" por fazer terapia? Então você tem um filho que já cogitou ser fresco, le savez-vous ? Pior: várias vezes ele cogita sê-lo. Ainda mais nos últimos meses.
Jamais eu teria espaço pra conversar com meus pais sobre isso. Os dois são matutos demais pra compreender. Terapia que nada, iss'é falta dum cabo de enxada!
Sentir solidão mesmo numa casa cheia que nem essa? Mas cê tem de tudo, não tem porquê.
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Segunda paulada do dia: a Rosana*, mãe do Carlos, me ligou no celular, sendo que nem em São Carlos estou. Desesperada, atrás de uma chácara para reservar para a formatura. Detalhe: alguns meses atrás, passei um papel pro Carlos com o contato de várias chácaras, valor aproximado, quais são legais, o que eu não gostei nelas, etc.
Como eu não tenho o email da Rosana, expliquei a situação pra minha mais recente colega de apartamento, Priscila, e perguntei se ela tinha. Aproveitando a viagem, perguntei também sobre uma coisa que estava me incomodando:
- Não sei, Pri, mas me pareceu que o Carlos tava meio irritado comigo, já que eu reservei chácara e nem dei moral pra ele...
- Ah, Gringo, abstrai as bravezas do Carlos... ele tá estressado por conta do TCC, porque ele deixou pra última hora, e tá desesperado porque as simulações não estão dando certo (...). Se ele ficou puto com o negócio da chácara, acho que não deve ter sido com você, e sim com ele mesmo, que não correu atrás (...). Pode até ver que ele pediu duas semanas de férias antecipadas na empresa (...)
Tá bom, Pri, vou fingir que acredito no motivo dessas férias. Assim como você.
Eu disse que entendia um pouco do estresse dele, por mais que eu saiba que a culpa é toda de sua desorganização com prazos, mas contei que não é de hoje que eu estou mal com isso.
Sim, contei. Não mostrei, é claro. Por razões óbvias.
Incrivelmente a gente mostrou uma sintonia de pensamentos - ele não sofreu muito na vida, a Rosana nunca foi de falar não pra ele, ele não é nem um pouco humilde, etc etc. Depois, ela adicionou a isso o clichê do "gostar apesar de, e não por causa de", e reservou.
E como toque final da receita...
- Ah, não guarda coisa ruim pra você não... se chateou? Manda tomar no cu na hora mesmo! Depois fica tudo certo e a vida continua (...). Por isso que prefiro amigos homens: rolou um atritozinho, manda tomar no cu; depois de uma semana tá tudo certo! Mulher não, já pega birra pro resto da vida e nunca mais se fala!
Traduzindo: vira homem, Gringo!
"Vira homem."
"É um fresco mesmo."
Eu não entendo! "Homem" (haja aspas!) não tem direito de não ser sincero a ponto de ferir, tem que falar na lata mesmo. Não tem direito a se sentir só a ponto de cogitar terapia, isso é coisa de gente fresca.
Daí os outros perguntam se eu sou gay.
E é ridículo eu querer "virar homem" (cês entenderam, tentar me comportar como esperam de um "homem") nessa altura da minha vida.
Depois eu surto (não no sentido que a gente usa vulgarmente) e ninguém sabe o porquê.
Depois eu faço bobagem e ninguém sabe o porquê.
Incrivelmente a gente mostrou uma sintonia de pensamentos - ele não sofreu muito na vida, a Rosana nunca foi de falar não pra ele, ele não é nem um pouco humilde, etc etc. Depois, ela adicionou a isso o clichê do "gostar apesar de, e não por causa de", e reservou.
E como toque final da receita...
- Ah, não guarda coisa ruim pra você não... se chateou? Manda tomar no cu na hora mesmo! Depois fica tudo certo e a vida continua (...). Por isso que prefiro amigos homens: rolou um atritozinho, manda tomar no cu; depois de uma semana tá tudo certo! Mulher não, já pega birra pro resto da vida e nunca mais se fala!
Traduzindo: vira homem, Gringo!
"Vira homem."
"É um fresco mesmo."
Eu não entendo! "Homem" (haja aspas!) não tem direito de não ser sincero a ponto de ferir, tem que falar na lata mesmo. Não tem direito a se sentir só a ponto de cogitar terapia, isso é coisa de gente fresca.
Daí os outros perguntam se eu sou gay.
E é ridículo eu querer "virar homem" (cês entenderam, tentar me comportar como esperam de um "homem") nessa altura da minha vida.
Depois eu surto (não no sentido que a gente usa vulgarmente) e ninguém sabe o porquê.
Depois eu faço bobagem e ninguém sabe o porquê.
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