quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Redenção

No fundo, eu percebi que eu realmente nunca amei de verdade a ninguém. E sim, a Diana já jogou isso na minha cara. E sim, assumo. Duh! Ela sabe que eu nunca amei-amei. Afinal, ela foi minha primeira.

Não só acato essa prerrogativa, mas também extrapolo: eu nunca senti que amo nem ao menos minha família. Por exemplo, eu não telefono pra casa, apesar de agora eu ter um plano de celular com DDD ilimitado. Só recebo ligação de lá. Oi, tudo bem? E aí, como 'tão as coisas? [sempre duas vezes a "mesma pergunta"]. E o doutorado? Tá fazendo frio aí? Ah, preciso ir porque [insira alguma responsabilidade banal com a Manuela, minha sobrinha]. Tchau, Deus te abençoe.

Aconteceram reviravoltas na vida dos meus colegas de laboratório. Um deles está com defesa marcada para daqui uma semana, e até há algum tempo atrás, estava sem emprego/pós-doc no prelo. Daí, eu soube que ele passou num concurso para professor substituto em primeiro lugar aqui mesmo no departamento. Respondi num "Ah, passou? Legal, parabéns.". É, desse jeito assim: sem ponto de exclamação, sem cumprimento. Completamente blasé. Como se a notícia fosse uma casualidade.

Não entendo como que, ao mesmo tempo, eu sou tão compreensivo com outras coisas. Eu tento entender demais o pensamento das pessoas, porque ela poderia ter tal opinião, levando em conta a situação dela blablablá. Minha vida inteira está repleta desses exemplos. Já contei um deles aqui, acolá e em tantos outros lás. Mais um, então:

Fui a Campos do Jordão em um passeio para fazer trilhas de mountain bike, há pouco menos de um mês.  Iniciante-mas-nem-tanto como sou, fiquei num meio-termo terrível: estava com vontade de tentar alcançar o grupo da frente, mas não queria largar uma completamente iniciante pra trás. Ela estava super chateada com a organização do passeio: deveriam ter pensado nessa situação, já que a organização sabia que ela nunca tinha pedalado ever; quanto mais num terreno difícil como o de lá, mesmo para ciclistas treinados. O que eu fiz? Fingi que estava tão cansado física e psicologicamente (afinal é uma pressão terrível ver que tentar alcançar o grupo é impossível, porque nosso corpo já está no limite) e a acompanhei até o final do passeio, no ritmo dela.

Não vou mentir que eu não estava cansado, mas eu sentia que eu poderia dar um pouco mais de mim. Ao mesmo tempo, sentia que eu jamais alcançaria o pelotão da frente. Meu corpo já estava dando sinais de fadiga extrema. Entrei na mente dela, e compreendi o que é a pressão pelo resultado ir de encontro ao limite do factível.

Com a Diana, então, nem se fala. Fico péssimo a cada mensagem que recebo, a cada vez que eu a vejo no corredor e vejo sua expressão abatida. Eu entendo que ela não entende o porquê dessa nossa separação. Ela não consegue associar as coisas.

Daí eu volto no que eu comecei: o que eu estava esperando disso, um amor de cinema - tudo é lindo, todo mundo é feliz? E aquele contato bobo de todo dia? "Aquela louca da minha orientadora não sabe o que quer da vida!", que logo vira "que medo desse 'preciso falar com você' do meu orientador"? Que logo é seguido de um "fiz aquela receita de bolo de banana com chocolate hoje, quer um pedaço?", permeado por um "gostei muito do passeio lá em Campos do Jordão, apesar de tudo" entre uma bocada e outra? Enfim, a função fática do relacionamento, fica onde?

Eu acho que falhei com ela porque eu sinto que não valorizei esses pequenos momentos porque queria uma paixão breath-taking no lugar.

Eu sei que ela me perdoaria por isso. Tanto é verdade que ainda tenta manter contato. Mas e eu? Eu me perdoo?

Daí eu entro no tal loop infinito sobre o qual já escrevi.

A saída é aparentemente simples: baixar a guarda, rir de mim mesmo, trollar na medida do tolerável. Dar-me a oportunidade de redenção, enfim. Porém, quando eu tento colocar na prática, fica tão forçado!, ou ninguém entende o sarcasmo; o que é pior, por soar meio grosseiro.

Vou tentar.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

A tal da felicidade alheia

É lógico que eu sei que ela não está feliz com isso. Nem eu estou. Porém, eu o tempo todo ficava cedendo às reações dela, e acabava machucando nós dois. Desde muito tempo eu tenho pensado nisso e escrito muito sobre isso. Mesmo se eu não estivesse seguro quanto à minha decisão, vale a pena fazer com que ela viva nessa insegurança, tolerando essa falta de constância que está sendo minha cabeça ultimamente?
Já falei pra ela mais de uma vez que a gente sente carência demais, e por isso a gente se apoiou demais um no outro. Isso não estava sendo bom pra nenhum dos dois.

Percebi que nós dois somos extremamente tímidos (ou seja, temos medo demais da opinião alheia) a ponto de sermos muito inseguros. No fundo, acho que é isso que ainda nos mantém ligados, mesmo agora: temos a timidez em comum.

Sei que é pretensão demais da minha parte me orgulhar disto, mas enfim: imagina se não fosse comigo, também extremamente tímido! Outro cara não estaria nem aí, mas continuaria "cedendo" (de mentirinha, o que seria um abuso enorme) e ela afundaria cada vez mais no próprio "medo". Eu percebi que estive fazendo isso com ela sem querer, e tive medo do que ela poderia pensar, ou seja, fui tímido. E estava me sentindo super mal, me cobrando o tempo todo uma resposta pra dar pra ela, independentemente de ela me dar prazo (pois é, não escrevi sobre isso, mas aconteceu).

E nessa cobrança eterna de mim mesmo, surtei. Surtei porque eu também não tenho ninguém além dos meus próprios textos ou dela mesma pra por pra fora. Surtei em saber que eu "queimaria" todas as minhas possibilidades de "pessoas com quem contar" se eu te dissesse "não". Mas sabia que não estava certo em "empurrar com a barriga" sabendo desse mal que é a nossa timidez extrema.

Lendo os grifos, concluí: eu estava me sentindo responsável pela felicidade dela. Não só isso, mas ELA estava me jogando essa responsabilidade. Mas já é tão difícil ser responsável pela própria!

Ou seja, conforme eu já falei há muito tempo, ela é boazinha.

Acho que depois de conseguir organizar tudo isso pelo menos na minha cabeça [escrever ajudou bastante, aliás], eu posso responder: sim, estou seguro de que foi a melhor decisão que eu poderia tomar. Fiz o que fiz justamente porque eu não quero que nenhum de nós dois vivamos com essa timidez extrema, com essa ansiedade de pensar que a felicidade do outro depende da gente. É melhor pra nós. Se ficássemos juntos, nunca seríamos nós mesmos e viveríamos nos moldando só pra agradar o outro. Ficaríamos o tempo todo ansiosos, nos sentindo responsáveis pela felicidade do outro.

E sendo infelizes.

E não há maneira simples de falar isso. Eu sei que ela não vai me escutar. Se ela prefere virar a cara pra mim, não posso fazer nada. Agora que está tudo escrito e organizado, juro que pensei em mandar pra ela, porque eu sei que ela está infeliz com isso. Rancorosa. Deve estar fazendo minha caveira pras amigas, porque nem elas estão me cumprimentando no corredor mais. Minha mãe deve estar sendo "homenageada" todo dia.

Não vou mentir que "saí por cima da carne seca". Chorei demais, mas não por sentir esse relacionamento acabando; e sim por saber que ela estava numa fossa desgraçada. E que eu sou o culpado.

Mas não dá pra eu ficar triste por causa dela. Não sou responsável pela felicidade dela.

domingo, 24 de junho de 2012

Loop infinito

Deixa eu começar a pagar minhas promessas bestas que fiz nas últimas semanas. Primeiro, prometi que ia contar sobre a psicoterapia.

Comecei a fazer, sem grandes esperanças. Afinal, coisa que eu mais faço aqui é me analisar, qual é a diferença? Enfim, a cada sessão, eu saio mais acabado que antes. Por ficar mexendo merda que tava seca num canto, acabo fazendo meus problemas federem cada vez mais.

Sim, eu sei que eu sou uma pessoa que tem um medo enorme da opinião que as outras pessoas podem ter de mim. Que eu penso demais e ajo de menos. Que eu cedo demais. Que eu reprimo muito minhas vontades só por conta desse medo da opinião alheia. Tô cansado de saber que tudo o que me angustia se resume a um só problema: eu me cobro demais.

Cobro de mim mesmo uma excelência em tudo. Por exemplo, não consigo admitir que eu esteja em forma, e vou a nutricionista e me submeto a restrições alimentares dificílimas. Sacrifico meu tempo livre na cozinha só pra não sair da dieta; já que, quando saio, eu tenho mais uma crise de prisão de ventre, minha parça de muitos anos. Mas até que ponto essa prisão de ventre é somática e não psicológica, ou seja, o que causa essa prisão de ventre é meu intestino preguiçoso por definição ou se trata de uma fixação anal-retentiva, literalmente?

Já estou cansado de saber qual é o meu problema. Não precisava de alguém para me escancarar dessa forma, tampouco pra ficar jogando tudo isso na minha cara, pra eu ficar mais arrasado ainda.

Realmente, eu já esperava que fosse bem angustiante, mas eu não estou vendo progresso nenhum. Ter consciência da causa dos problemas é uma coisa, resolvê-los é outra.

Quero respostas.

E pra piorar, eu tenho sentido que a psicóloga se importa demais com descobrir a origem das coisas. E daí que eu tenha sido bastante excluído na escola da sexta à oitava série? E daí que eu tenha tido muito mais amigas que amigos, não tendo desenvolvido manhood suficiente quanto se espera de um homem feito? Meu passado não vai mudar só porque passei a ter consciência dele.

Não consigo imaginar outra razão para que ela faça isso sem ser para me encaixotar num modelo e me prescrever um tratamento também encaixotado, produzido em série. Fosse fácil assim, eu viveria minha felicidade artificial numa cápsula de Rivotril. Preferiria "fumar um" todo dia que daria na mesma e seria mais barato. Barato, heh.

E por isso mesmo é que eu falei na última vez que eu fui lá que eu não quero mais continuar, porque não estou sentindo progresso nenhum, não estou sentindo resposta. Falei nesses termos. Ela rebateu: "eu não tenho essa resposta, nenhum psicólogo vai ter essa resposta".

Imaginei ela com aquele robe de monge budista, vermelho e amarelo; palma da mão estendida em sinal de paz, dizendo "a resposta está dentro de você" num tom de voz à la Mestre dos Magos.

Puta que pariu! E qual é a função dela, então? Cronometrar meu tempo (e o tempo dela), porque hora de psicanalista tem 45 minutos? Já escrevo sobre tudo o que me angustia faz muito tempo, não preciso de alguém para me ouvir sem me julgar. Já tenho meu canto sem julgamento de ninguém; tão escondido que qualquer busca no Google me acharia.

Ela deixou um contato, caso eu volte atrás na minha decisão. Perda de tempo.

E continuo nesse loop infinito: estou cobrando de mim mesmo que eu preciso parar de me cobrar. Como sair dele? Eu só queria essa resposta, que eu não vou encontrar na psicoterapia. Porque, afinal, a resposta está dentro de mim. Cada uma que eu preciso ouvir...!

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Recaída

Bom, conforme eu escrevi da última vez, eu percebi que eu precisava sacudir a poeira e me rodear de gente que me faça bem.

Encontrei na academia uma amizade improvável. Confesso que I had a crush on her, mas nada muito uau. Instrutora do RPM, foi ela que acabou me puxando pro meu mais recente hobby não tão hobby assim: ciclismo. Aline* e eu não temos lá nenhuma amizade truly, mas o jeito de mulher poderosa, com uma pitadinha de meiguice de menina acaba me tragando...

Tá bom, tá bom, confesso. I do have a crush on her. I still do. Mas agora mais maduro, sem idealizações, sem ser previsível demais.

E puxando aos poucos, ela tem me convidado para uns programas. Um sábado aí, retornamos ao mesmo lugar em que um homem comprometido foi agarrado. Não conhecia ninguém à exceção dela.

Conversas um pouco incômodas, do tipo "estou há tantos anos solteira", ou comentários sobre os outros caras na balada; com uma naturalidade tal que me encabulava mais ainda.

Enfim, conversa vai, conversa vem, notei que uma das amigas dela, a Célia*, estava olhando demais pra mim. Não comentei, não disse nada. Afinal, eu já era um estranho, e vai que eu dou uma bola fora, comentando sobre uma possível pessoa comprometida. Ainda mais depois do episódio do "cara comprometido", não duvido de nada. E além do mais, eu já fui mal-intencionado: aproveitando dessa função de abre-alas que a Aline teria que ter, conversaríamos mais e então Aline e eu...

Enfim, percebi que era só eu virar para o lado da Célia e ela sorria. A linguagem corporal dela era estranha: por um lado, ela abria o sorriso em resposta e se virava para o meu lado, apontando os pés para o meu lado, o que é um sinal bem sutil, mas bem claro. Por outro, ela ainda "segurava o escudo" -  protegia-se com o braço à frente do corpo, brandindo a garrafa long neck como um escudo espartano.

A Célia estava com uma amiga, com uma cara de eu-deveria-ter-ficado-em-casa. Um tempo depois, essa amiga da Célia atendeu sua própria vontade, e foi embora. Célia ficou sozinha, e se jogou num sofá dessa balada.

Gu, posso te contar uma coisa? Uai, Aline, pode. A Célia quer ficar com você.

Err... é... então... eu tinha percebido.

Nem imaginei que talvez tivesse esse tipo de... de... sei lá, combinação entre as mulheres; ainda mais levando que eu era um dos poucos homens desacompanhados do grupo. Não que eu esperasse disputa de puxão de cabelo, mas normalmente quem faz esse tipo de jogo são homens superficiais demais ou mulheres caídas de amor. O que com certeza não era o caso, já que teoricamente não nos tínhamos visto antes. Estava eu sendo observado desde o começo? 


Não, Aline, eu quero você.


Sentei no sofá perpendicular ao que Célia estava sentada. Olhei para ela, com cara de Gato de Botas, e depois para o espaço ao meu lado. Senta aqui. Não me cabe, senta você de cá, retribuindo minha cara de pidão com um olhar meio blasé.

Fui. Deixei que ela puxasse assunto, dada a minha vasta experiência.

Olhei nos olhos, depois na boca e voltei aos olhos, mesma cara de maior abandonado, assim como a música que a banda havia tocado antes.

Qual é o sentido disso? A gente não se encaixa: ela, com sua expressão blasé e beijo sedento demais; eu, me escondendo atrás de um muro de timidez e beijo suave, lento. Não, não faz sentido.

Deixei-a na porta de casa. Mesmo que estivesse com vontade de ir além naquela one-night stand, estava consciente de que não daria certo. A gente não se encaixa. Definitivamente.  Não vou perder meu tempo.

Fui embora. Dirigindo pela madrugada, olhando pela janela, a luz amarelada dos postes como única companheira...

Como é que tem gente que gosta dessa vida de solteiro? É vazia! É cheia de nomes perdidos nas noites. Às vezes, nem mesmo nomes, só rostos e beijos desencontrados. Não que eu esteja com um par de alianças no bolso just because, mas eu não consigo viver essa vida de solteiro bandido.


E nessa hora, pensei em Diana. Nós sim, tínhamos algum quê de sincronia física. Ou não, vá saber? Foi a única experiência mais profunda que eu tive até agora... Definitivamente eu não fiz nada de diferente ou especial pra ela. Não há razão para ser diferente com outra pessoa.

Não, não pense nela. Isso é pura carência, não vale a pena. Você já sabe onde estará se metendo (heh), não perca seu tempo. Figurinha repetida não completa álbum.

Sei que "não é certo" em se falar de tipos de pessoa, mas eu sei o tipo de mulher que eu quero. Com todo o respeito, nem Diana, nem Lívia, nem Célia o são.

Rádio patroa

Lembra um quadro antigo do Zorra Total em que as empregadas domésticas de um condomínio se juntavam nas janelas das áreas de serviço? "Rádio patroa, vamo nessa que a fofoca é boa"? Então. Da mesma forma, eu sempre brinquei que existe uma rádio no meu departamento - impressionante como notícias correm naquele departamento. Sobre mim inclusive.

Explico.

Defendi meu mestrado no dia 20 de abril. Tem toda uma história de bolsa por trás dessa defesa, que não vem ao caso agora, e conto depois (senão eu perco o fio da meada, igual a última vez). Pra comemorar, peguei umas cortesias numa balada, o que me deu um trabalhão só.

Por respeito, por amizade, ou mesmo por piedade, convidei a Diana. Ficaria muito chato se eu não a convidasse, mas eu tinha a total certeza de que não estaria confortável se ela estivesse lá, espreitando cada movimento, como um grupo de hienas atrás de um gnu, preparadas para o ataque ao menor sinal de fraqueza.

Já pressenti isso desde o começo. Só que a "rádio patroa" não ajuda. Por facilidade, por conveniência, por vários outros motivos exceto carência afetiva, entreguei parte das cortesias pra ela, pra que ela distribuísse às pessoas do laboratório dela. E o que a rádio patroa faz? Fofoca, c'est claire.

Sim, sim eu sabia das consequências em confiar na prestatividade dela, mas vão pra puta que o pariu esse povo mexeriqueiro de quermesse. Outra consequência que eu em partes esperava era uma possível má interpretação desse pedido. Relevei, porque achei que estávamos resolvidos, ou seja, eu a estava pedindo um favorzinho como um amigo.

Quando cheguei, eu me arrependi um pouco dessa decisão. Sabe quando as pessoas começam a conversar com os olhos e sorrisinhos de rádio patroa? Então. A maneira que encontrei de evitar toda essa aura de conspiração em volta de nós dois, toda essa perseguição de ave de rapina, foi evitando ficar perto dela.

Encontramos lá dentro uma parte da turma do mestrado que entrou agora, que eu nem conhecia. Dentre elas, uma quase-conterrânea.

"Água? Como assim, você agora é mestre! Vamo beber!", ela disse.
Estava bebendo água, sim. Cansado do dia tenso e corrido, cansado só de pensar em enfrentar a rádio patroa, não estava bem-humorado. Não queria beber. Queria mesmo era ir embora. Mas eu era "anfitrião", primeiro a chegar e último a ir embora. Só consegui arranjar força pra ir em quatro cápsulas de pó de guaraná.
Terminei a água, parti pra uma caipirinha de saquê, só pra não ter o trabalho de ter que pensar, já que copiei a ideia da minha conterrânea.
"Sabe dançar?", perguntou. Balancei a mão, querendo dizer mais ou menos.

Devo ter dançado uns dois forrós e mais nada. Assim que acabou, ela olhou nos olhos, desceu um pouquinho e sorriu um sorriso discreto de menina meiga, que teria um quê de sensualidade inocente, se não fossem os dentes tortos. Claro que eu entendi o significado. Eu não soube onde enfiar a cara. Até que ela encontrou um lugar pra enfiá-la.

Na dela.

Nem tive tempo de reação pra fugir da finalização com chave-de-braço. Eu me senti o pior filho da puta da Terra: convido a Diana, peço o favor de distribuir parte das cortesias, dou sinal de segundas intenções, mesmo que eu não tivesse nenhuma e me deixo fazer uma coisa dessas?

Quando olho para o lado, vejo a Diana de costas, abrindo a porta da saída para os caixas. Pronto, agora a desgraça tá feita.


Como é que eu pude ser tão ridículo?


Já que a desgraça tava feita, dissimulei, mas não suportei muito. Desabafei com duas pessoas, mesmo que não tivesse intimidade suficiente com elas, mas que em partes são testemunhas de quase tudo o que aconteceu: Alê e Bruno. Nenhum dos dois estavam sóbrios o suficiente para tentarem falar alguma coisa além de "Aeeee" ou "Viche moleeque". Tudo bem que eu esperava algo do tipo, mas eu precisava por  pra fora o que se passava cá dentro.


Detalhe: até agora eu não sei o nome da lutadora que me finalizou. Melhor que eu não saiba mesmo, já deu problema demais e vai dar mais problema ainda. Whatever.


"Maaash não era voschê que tava fic-hic-ficando com a Lívia*?", disse uma das outras meninas da turma dos recém-mestrandos. Bêbada? Imagina.
"Oi?" ah, sim, obrigado por me falar o nome dela.


Fui embora um pouco depois. Não consegui dormir, a consciência pesando mais que as pálpebras, que antes estavam ganhando.

Logo na segunda-feira, uma pessoa, que em partes sabe do que se passou entre mim e a Diana, veio me falar que estão falando que a Lívia "agarrou um cara comprometido", nesses termos. Eita rádio patroa filha da puta!, respondi. Imagina só se esse povo tivesse se encontrado no domingo! Seria ainda antes de dois dias!


Depois de um tempo, me veio um pensamento: peraí, como que a turma de recém-mestrandos sabe do meu suposto (e falso) comprometimento? Ninguém aqui era nem graduado antes de tudo isso, impossível! Alguém contou! Quem?


Daí eu me lembrei da popularidade do Bruno. Boa-praça, easy-going... é a única pessoa que poderia ter esse tipo de "intimidade" com os recém-mestrandos e que ao mesmo tempo sabe de parte do que aconteceu entre mim e a Diana.


E de novo, um buraco no peito.

Pensando bem, eu nunca confiei no Bruno, nem na sua turminha de amigos. Vivem fazendo troça até hoje de tudo e de todos, vivem combinando programas na minha frente e não me convidam... Mas isso? O que eu fiz pra eles? Fiquei muito desapontado. Muito.

Além de ter perdido eternamente a amizade da Diana, agora estou praticamente sem ninguém por perto.

Minha vida desde então tem sido igual à da personagem de quem eu narrei há um bom tempo: Morgana, após ter falhado completamente sua missão de vida, se isola na sua antiga casa, na Cornualha. Tudo o que tenho tentado fazer está arruinado, Kevin, eu falhei, falhei.

Falhei com Diana, falhei em não manter contato com as minhas poucas amizades da época da graduação, do colégio. Desapontei Diana, que talvez tenha sido a única pessoa a ter me amado de verdade. Não sei o que fiz para ser motivo de chacota entre o grupinho do Bruno. Falhei, falhei. Até tenho em quem confiar, mas nenhum deles está aqui perto. O que me resta agora é esse doutorado que só vai resultar numa tese que vai ficar juntando poeira na estante da biblioteca.

Com a diferença que não há nenhum harpista Kevin para me acordar desse sono mórbido.

Foi daí que eu percebi que eu preciso definitivamente arranjar amizades novas. Mas isso fica pra próxima.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Assassino

Comecei a fazer psicoterapia. Não sei se é a etapa em que "estamos" ainda, mas sinceramente, eu ainda prefiro esse meu canto aqui. Sim, sim, eu entendo, a ideia é a mesma: ter um canto na minha agenda pra falar sem medo de ser julgado, sem medo da opinião dos outros.

Se eu tenho total confiança nisso? Não ainda. Por exemplo, ainda fico constrangido quando há silêncio. Incomoda, igual ao silêncio no elevador. Daí eu solto qualquer coisa aleatória que está na cabeça. Aqui eu tenho toda uma edição de texto por trás, toda uma necessidade de coerência textual, que acaba me ajudando mais que essa conversa que, no fundo, acaba sendo um pouquinho forçada.

E inevitavelmente falo das pessoas ao meu redor. Falo do que acontece na minha família, falo de histórias que acontecem durante a semana, nos finais de semana...

Aliás, meus finais de semana tem sido meio agitados lately.

Primeiro deles foi para comemorar minha defesa. Por uma quantidade enorme de fatores, quais sejam: amizade, cumplicidade, respeito... convidei a Diana. Vários motivos, sim; exceto um: meramente obrigação.

Sim, ela já voltou do doutorado-sanduíche (meio curto, aliás).

Aliás, deixa eu contar outra antes dessa história da minha defesa.

Logo que ela voltou, era perto do meu aniversário. Estávamos no departamento, cada um no seu laboratório, quando ela me chamou no chat.

"Trouxe um presente pra você."
"Presente?"
"É, seu aniversário."
"Imagina, não precisava ter se preocupado! Está aí com você?".
"Não, não, está em casa".

Abriu-se-me um buraco no peito. Mesmo que tenhamos conversado, ela está jogando sujo. Sei que ela ainda mexe comigo, mas eu preciso ser forte. Ela chama, eu vou. Ela esperneia, eu consolo. Ela joga baixo e eu... aceito?

E eu, eu fico onde?

Não poderia recusar o presente sem nem ao menos saber do que se trata. E é justamente por ela saber disso [que eu penso demais em não ofender as pessoas] é que ela joga sujo!

"Err... quando posso ir buscar?". Combinamos um horário e fui.

A casa dela é uma kitchenette, na verdade. Não tem sala, e o único lugar para sentar que não fosse a mesa da cozinha era a cama ou a mesa do computador, impedida pela cama. Ou seja, mais um golpe baixo, dessa vez fengshuístico. Percebendo meu embaraço, ela pegou a cadeira do computador e se sentou na cama, do lado da cadeira.

Como foi lá? Passou muito frio? Nossa, muito, tinha dias que quase não dava pra sair de casa. Como é lá? As pessoas, os lugares? O povo é meio esquisito, meio "sem-educação", atendem meio esquisito. Blablablá.

Eis o presente: uma carteira de couro da Calvin Klein (!!), um chaveiro com gravações do Coliseu e da a Basílica de São Pedro, no Vaticano (sim, ela viajou para a Itália também, pelo jeito); e uma barra de chocolate importado. Encabulado, não poderia deixar de reconhecer que ela fez um esforço - financeiro, inclusive - com os presentes. No plural.

"Estava com saudades."

Pronto, era isso que ela veio me falar. Estava com saudades, tira essa bermuda que eu quero você sério. Mas já estamos conversados, por favor, não se machuque desse jeito...

Depois de alguma conversa e esquivadas de beijos e abraços meio pra-frente, eu disse que precisava ir, pois tinha que acordar cedo no outro dia.

Sei que você não esperava isso de mim, mas achei que estávamos conversados.
Não, imagina! Não esperava nada.


Aham, e eu nasci ontem. Fui embora, sabendo que poderia ter largado alguém dando socos num travesseiro.

Nunca a letra da música "Unfaithful", da Rihanna fez tanto sentido pra mim como na hora em que manobrei o carro para voltar pra casa. Não quero fazer isso mais, não quero ser o motivo! Toda vez que eu passo na porta dela, eu a vejo morrendo um pouco por dentro. Eu não a quero machucar mais, eu não quero tirar a vida dela. Eu não quero ser um assassino.

Sim, eu sei da minha capacidade de fugir do assunto. Vou tentar falar da psicoterapia depois.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Imprevistos

Eu escrevo porque preciso organizar minha cabeça. E cá estou de novo.

Achei que dei um passo firme, bom, ao conseguir resolver o problema da bolsa que não sai. Bom, deixa eu contar do começo, mais fácil de entender:

Ainda não saiu - até agora não acredito que ainda estou esperando resposta. Porém, surgiu meio que de surpresa outra oportunidade pra eu finalmente começar o doutorado. Valor menor, mas quatro anos de doutorado garantidos e num ritmo mais tranquilo em relação à outra, que são três anos só. Porém, por questões financeiras e pessoais (cês bem sabem o quanto eu não quero mais ser o filhinho da mamãe), eu ainda quero a outra bolsa, maior, mesmo que sejam só três anos e que seja um trabalho um pouco mais sob pressão.

Porém meu orientador não concorda. Ou pelo menos eu entendi isso: se nesse meio-tempo eu receber um parecer positivo, mesmo assim ele quer que eu fique com a bolsa de quatro anos, abandonando a que eu tanto quero.

Até agora estou por entender o porquê da mudança de opinião dele! Antes, há uns seis meses ele falava: "você tem perfil pra esse tipo de projeto", "seu histórico da graduação e do mestrado são bons pra isso" etc., etc. Agora ele me vem e me fala que "se você quiser assumir o risco [de ter um ano a menos, de não ter tempo folgado para escrever artigos e prestar concursos], o problema é seu"? Como assim?

Mas não, não vou pensar nisso agora. Vou esperar o problema acontecer pra que eu discuta a questão com ele. E essa foi a decisão que achei que tinha sido sensata, levando em conta meu péssimo defeito de querer antecipar tudo, que dê tudo certo; mas sentir uma frustração enorme, beirando à ansiedade, caso dê um detalhezinho fora dos planos. Foi um primeiro passo. Importante.

E estava realmente feliz com essa decisão. Decisão de deixar pra me preocupar depois que o problema aparecer.

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Daí me surge uma vida nova, literalmente. Minha mãe me dá um toque no celular, subentendendo-se que era pra eu abrir uma vídeo chamada pela internet.

Manuela. A japonesinha meio alourada de um ano e dois meses.

Minha sobrinha.

Sim, toda aquela história agora tem um final: o resultado do exame de DNA saiu, e deu 99% de probabilidade de que a paternidade é positiva.

Primeiro passo pra ficar pra titio, done.

Ninguém me cumprimentou. Primeira coisa que falaram foi pra que ela me mandar um beijo pro titio.

Eu não tive tempo pra me acostumar com a ideia ainda. Não com o fato de eu ser tio, mas com toda a falsidade alheia só pra proteger a Manuela. Eu concordo com protegê-la, ela não tem culpa nenhuma. Mas de repente meu irmão vira um santo porque descobriu ser pai de uma pulada de cerca? Não, não, isso não entra na minha cabeça! Definitivamente não entra.

Mas quem sou eu pra falar alguma coisa? Afinal, eu e a Manuela temos em comum o fato de não termos sido planejados.

Realmente, esse mundo dá voltas mesmo.

A semana mal começou e aparecem dois imprevistos! Tenho que ter força pra enfrentar tanto uma banca de mestrado quanto uma criança de um ano e dois meses.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Compreensão

Eu sei que eu não precisava ter me antecipado e tirar dinheiro da minha própria poupança pra pagar a inscrição absurdamente cara de um congresso, mas fiz só pra segurar preço - além de ser absurdamente cara, o preço vai subindo à medida que a data do congresso chega. Sim, tirei dinheiro da minha poupança, mesmo sabendo que o Programa de Pós-graduação reembolsaria.
Com essa brincadeira, cinquenta reais de dinheiro público deixaram de ser gastos. Tá, eu vou sair perdendo um pouquinho de dinheiro (os juros da aplicação da poupança), mas não é nada.
Problema maior nem foi ficar sem quinhentas dilmas (!) temporariamente, e sim escutar isso:
- Sinceramente, cê foi muito burro! - disse uma colega de lab. - O Programa vai pagar mesmo, segurar preço pra quê?

Sim, eu fui muito burro. Por que motivo eu vou querer economizar fazendo inscrição antecipada, não é mesmo? Não preciso economizar dinheiro público, ainda mais só R$ 50; afinal, a corrupção tá aí correndo solta, vamos entrar na dança.

Não que eu tenha pensado nisso, mas façamos as contas: vamos supor que todas as áreas de pesquisa mandem um total de 40 pós-graduandos para o congresso (número razoável/chutado baixo, já que só minha área de pesquisa vai mandar dez). Se todos tivessem feito isso, seriam R$ 50 por pessoa x 40 pessoas = R$ 2000, mais do que uma bolsa de doutorado. Levando em conta que ano passado, o Programa passou por dificuldades financeiras para trazerem membros de bancas de defesa de mestrado e doutorado ano passado, o que é uma necessidade básica para o Programa, isso ajudaria um pouco.
É difícil, reconheço, ter os R$ 500 guardados - só tenho porque ainda sou nenenzinho da mamãe. Também não fiz pra ficar provando que tenho uma poupança gordinha. 
Eu faço uma boa ação, sou chamado de burro. Tá bom, então.

Daí, de novo, acontece uma situação muito parecida na mesma semana. Tem uma outra colega de lab, que é tão tímida que chega a ser uma pessoa extremamente bloqueada. Tão bloqueada que é chamada de "Mudinha" pelas outras pessoas do meu lab. Vou poupar um pseudônimo e manter o apelido, mas não que eu concorde com o apelido.
Eu já a conhecida da época da graduação, pois fiz algumas disciplinas com ela. E realmente não gosto nem um pouco desse tipo de atitude, pois me remete muito à minha fat époque. Deve ser por isso que eu a entendo: é igualzinho.
Inclusive a reação dela. Explico daqui a pouco.

Outro dia, estávamos comentando justamente sobre a "Mudinha":
- Juro que tento - eu disse -: perguntei se ela não queria vir tomar um café com a gente, já chamei pra almoçar; enfim, eu faço o esforço...
- Por isso mesmo que eu nem faço o esforço - interrompeu a mesma colega de lab que, mais recentemente, me chamou de burro - Cê tá é perdendo o seu tempo.


E por um infeliz de um acaso eu tuíto sobre isso, repetindo a frase da minha colega de lab:

"Por isso é que eu nem faço o esforço", disse uma pessoa do meu lab sobre outra, que não enturma, mesmo eu tentando. Isso me fez pensar.


Isso me fez pensar no que chamam de ser sociável: é chutar todos os que você não tolera pra longe, é ficar colocando apelidos de mau gosto neles e ficar falando mal pelas costas? Perto de mim, só as pessoas "legais".
Legal, hein.

Daí ela me vem toda truculenta (assim como eu era, na fat époque) no chat do Facebook (sic): 
  • eu vi seu twitter, e vi o q vc escreveu ontem...
  • sei q era sobre mim...
  • respeito o q vc e o pessoal do lab acha de mim...
  • mas eu sou uma pessoa muito tímida mesmo, sempre fui, e esse é meu jeito
    então, só queria t falar que não vou com vcs pro congresso, nem precisa ver lugar pra mim junto..
    eu só fiquei chateada com o q eu li entende...mas respeito o q vcs acham, d vdd, só acho q não vai ter clima pra ficar no quarto com alguem q possivelmente está falando de mim sem nem me conhecer...

    Expliquei que eu estava chateado justamente por ouvir esse tipo de comentário, e que por isso que me fez pensar, e tal. Disse também que eu tento enturmá-la, mas ela fica meio que fugindo da gente.

    Primeiramente, não tenho nem ideia de como ela viu meu tweet, porque ela não me segue. Só se ela for um desses perfis esquisitos que me seguem e que eu não bloqueei ou se ela própria me bloqueou. Sei lá, não sei o que acontece. Prefiro não pensar nas outras possibilidades, senão eu perco o fio da meada do que eu quero escrever.

    De qualquer forma, hoje eu me motivei pra escrever pra falar dessa compreensão: o Programa vai sentir falta dos R$ 50 que não economizariam se eu não tivesse me antecipado? A Mudinha merece um pouco de atenção? A Diana merece uma segunda chance?
    Enfim, tudo se resume a: eu preciso me sacrificar pelos outros? Eu devo alimentar esperança a todas as pessoas?
    Já passei por tantas outras situações que recaem nos mesmos questionamentos, nas mesmas reflexões! Inclusive escrevi sobre isso faz um tempão, com um tantão mais de mimimi.

    Mas a pergunta continua.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Gratidão

"Você é um homem ou um saco de batata?"

Quando eu era criança e choramingava por alguma coisa, minha mãe vivia me dizendo isso. Hoje, eu só escrevo e ando de cabeça baixa. E a pergunta continua ecoando na minha cabeça.

Então eu deveria ser uma fortaleza indestrutível, não me frustrar com o fato de eu ter que adiar minha defesa do mestrado? Eu não tenho direito de me frustrar por eu, mesmo depois de formado e trabalhando (sim, trabalhando!), ainda ser economicamente dependente dos meus pais?


Claro, estou super feliz por estar sozinho em São Carlos, tendo que correr de casa por conta daquele crápula. Super feliz porque minha vida é tão excitante que meu plano para o final de semana é reler pela quarta vez um livro de mais de trezentas páginas.

Aqui a tristeza pula de alegria.

Daí eu sou obrigado a me contentar a receber essa mensagem (sic):

"2011 foi uma ano de muitos conflitos em minha vida, mas tb de mt alegria e uma delas foi ter conhecido vc e ter convivido um pouco, digamos mais profundo ;) vc é um amorzinho de pessoa (de verdade) adorei o pouco tempo q passamos juntos, Desejo q vc seja mt FELIZ e conte comigo sempre!"

Ah, não contei que a gente terminou no dia 4 de novembro. E digo "terminamos" porque bem possivelmente ela usaria esses termos, mas eu não. Na falta de conceito melhor, peguei emprestado. Pois então, por telefone; eu fingindo que estava  desabando. "Desliga você", ela disse, depois de um silêncio "perturbador". E desliguei mesmo. Além de tudo, tem que ficar fazendo cu doce? Pra cima de moi, não.

Mais tarde, eu ainda soube pela melhor amiga dela que, segundo a Diana, estamos (sim, no presente!) namorando. Ou seja, não só ela vê uma coisa que não existe, mas também ela não contou pra ninguém sobre essa última conversa que tivemos. 

Resumindo: ela ainda tem alguma esperança. Mereço.

E pra falar bem a verdade, eu estava sim com uma pontinha de arrependimento há uns dias. Mas daí eu descobri que era mera carência da minha parte, porque eu estou me sentindo muito solitário, excluído.

Enfim, voltando. Só queria saber o que foi que eu fiz pra merecer tanta pancada desse jeito. Mas não, imagina! Não tenho direito de reclamar, né. Minha vida está ótima, tenho um trabalho de que gosto mas o Gustavo não trabalha!, carro novo na garagem que eu não queria, saúde em dia hipotireoidismo e dano hepático não são problemas graves...

Acho no mínimo irônica (pra não falar que é hipócrita) essa gratidão que os mais religiosos têm com a vida deles. Agradeço a Deus por mais um dia, agradeço a Deus pela vida blablablá. Vão-se acumulando problemas e a oração é a mesma. Pensando assim, um moribundo vai agradecer pelas mesmas coisas. E é "obrigado" religiosamente a agradecer por elas.

Ninguém tem o direito de reclamar. A vida de todo mundo é linda, maravilhosa. Um brinde! Um brinde ao mundo! Um brinde à onipresente felicidade!

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Falei ali em cima sobre esse adiamento da minha defesa de mestrado. Foram uns probleminhas que aconteceram graças ao "governo dos escritórios", mas enfim, muito pior que adiar minha defesa é adiar minha tão desejada independência financeira.
Outra coisa que eu desejava muito era tirar esse aparelho nos dentes antes da minha defesa. Nesses termos. No fundo, eu quero me livrar desse incômodo logo. Pena que eu desejei errado: com essa minha defesa adiada, é evidente que meu desejo vai ser atendido.

Voltando ao que eu falei ali em cima, seria o "certo" eu estar feliz por ter meu pedido atendido, não é mesmo? Agradeço a Deus por ter adiado a minha defesa, pois assim eu vou defender meu mestrado sem aparelho.

Francamente.

Nenenzinho da mamãe

Odeio quando isso acontece comigo - quando me veem as ideias pra escrever justamente quando eu estou quase pegando no sono. Mas daí eu perco o sono e... não tem jeito, eu tenho que vir pra cá.

Já estou em São Carlos, incrivelmente. No dia 1º de janeiro, já arrumei as malas e saí de carro. Sozinho. Chovendo às baldadas, enfrentei a estrada. Potencialmente cheia por causa do feriado, perigosíssima por causa da chuva. Por sinal, aquaplanei duas vezes a 120 km/h. Mas que diferença isso faz, né? Enfrentei a estrada porque algo muito pior estava acontecendo naquela que foi minha casa por dezessete anos.

Não estava mais suportando não só o tédio, mas a simples presença do meu irmão mais velho, o Paulo*. Toda e qualquer palavra que ele falasse e que fosse a meu respeito ou que fosse direcionada pra mim tinha alguma farpa. Por exemplo, meus primos vieram pra cá também, e resolveram ir a um barzinho. Já completamente saturado só da presença do Paulo, falei que não iria. Porém, escutei uma conversa entre ele e minha mãe:

- Mas eu vou levar multa! Como que tá essa coisa aqui em Uberaba? - claro, ele estava falando sobre o fato de dirigir alcoolizado. - Eu não vou se o Gustavo não for!

[sim, cansei dessa vidinha de esconder meu nome.]

Isso, Paulo, muito bom! Você só vai se o seu irmão mais novo, que não bebe, não fuma e não trepa, for o motorista panaca da rodada. Claro, deixa pro Gustavo, o chofer eunuco de sempre.

A hora que eu me segurei muito e soquei a parede pra não socar a cara dele foi quando eu estava vendo TV e ele me chama na cozinha. Eu, idiota que sou, fui lá.

- Frita aí pra gente - e apontou pra um saco plástico com salgados congelados.

- Como é que é?! Não que eu estivesse ocupado, mas você teve a capacidade de me chamar aqui só pra fritar esses salgados "pra gente"? Você bem sabe que eu não estou podendo comer isso! Ou seja, você quer é que frite essa merda pra você!

Mesmo assim, peguei a caçarolinha em que costumava há séculos fazer isso. Peguei óleo usado, só de pirraça. Fiz de um jeito que eu tinha certeza que daria errado, também de propósito: coloquei cinco salgados de uma vez, só pra esfriar o óleo e o salgado ficar todo encharcado e mal frito. Mesmo ele, que não sabe cozinhar quase nada, viu que o óleo não estava quente e comentou:

- Mas tem que esperar o óleo esquentar... - com aquele tom condescendente que só ele tem. Cocky.

- Pra quem pediu pra eu fritar porque supostamente não sabia, até que você tá sabendo demais, não?

Não sei se foi por acaso, mas Gabriel* me chamou, falando que ia sair pra ir em algum lugar que nem lembro onde. Que ele fosse pro inferno, desde que isso me afastasse do Paulo, eu topava qualquer coisa. Peguei os cinco salgados mal-fritos com a escumadeira e joguei direto no lixo. Descontei toda a raiva que eu sentia na parede logo antes do meu quarto. Os nós do punho arroxearam na hora.

- Por que ele tem que ser desse jeito, Gabriel? Já faz vinte e dois anos que eu aturo esse crápula, e ele não muda! CHEGA! Eu não suporto mais! Vou embora pra São Carlos amanhã, nem que seja pra eu ficar a toa lá!

Só cheguei em casa mais tarde, porque Gabriel e eu precisamos passar na loja do meu pai pra buscar minha mãe, que estava sem carro. No caminho, Paulo ligou no celular dela.

- Ele estava perguntando se o Gustavo estava com você, Gabriel, porque começou a chover forte e ele poderia ter ido caminhar, daí ele poderia sair com o carro do Gustavo pra buscar ele no Piscinão.

- Agora ele me vem com dozinha, é? - e a hipocrisia tá mandando um beijo.

- Mas o que aconteceu?

- Ah, a Sra conhece o Paulo, né? - respondeu Gabriel por mim, encolhendo os ombros.

Não cumpri minha promessa, já que isso aconteceu antes do réveillon. Porém, não troquei um pio com o Paulo desde então. Nem desejei "feliz ano novo" pra ele.

E nem ele pra mim.

Conversando com o Diogo* sobre isso, ele me lembrou da briga entre meu pai e o meu tio, de que eu já falei aqui. Só foi apaziguada aos pés do túmulo da minha avó, e ainda assim não fez muita diferença (desculpa a franqueza).

- Olha, Diogo, eu não posso parar pra pensar no que nossos pais vão sentir com essa possível briga entre mim e o Paulo, porque a vida inteira eu pensei nos outros e só me fodi. Infelizmente, vai ter que ser desse jeito. Vocês bem sabem que não é frescura minha.

- Tanto é verdade que ele veio sozinho. Ninguém quer ficar perto dele mais.

- Então, caramba! Só que eu não estou suportando mais, não dá.

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Enfim, brigas de família à parte, o fato é que eu já estou em São Carlos por causa dele. Só que, mesmo eu reclamando para meus outros irmãos, sempre vai soar frescura minha. Porque, no final das contas, pra família inteira eu sou o nerd-eunuco-sistemático. Nunca vi! Parece que, enquanto eu não chegar ostentando uma namorada pra família, eu não vou ser respeitado lá dentro.

E é ostentando mesmo, com todas as letras. Por exemplo, quer falar que meus pais estão achando ruim desse rolo todo com meu irmão Diogo sendo o potencial pai da filha mais nova da ex-namorada periguete dele? Nada! Tenho certeza que, lá no fundo e mesmo que eles próprios não saibam, eles estão é achando bom, porque, afinal de contas, meu irmão é "pegador".
Outro exemplo é o gêmeo dele: por mais que meus pais escutem o Gabriel reclamando da namorada dele e falem mal dos dois pra mim (o que eu tenho a ver com isso?), no final das contas, meus pais estão é orgulhosos dele. Por mais que... bom, deixa pra lá.

Daí, por eu não ter namorada, não ter um emprego formal com carteira assinada, eu ainda sou o nenenzinho da mamãe, inocência pura.

Agora é a ironia que tá mandando beijos.

Sim, família, eu trabalho! Talvez se eu estivesse ralando umbigo num balcão e ganhando uma merreca, vocês reconheceriam isso mais como trabalho do que meu mestrado. Mas não, né, eu estou "só estudando". Eu posso ficar mais tempo em casa, porque eu estou "só estudando". A vida inteira eu só fiz isso, qual é a diferença agora?

Sim, eu faço piadas sujas, tenho pensamentos libidinosos. Sou humano, oras! E como tal, também tenho paciência limitada, apesar de vocês acharem que não.

Eu nunca fui eu mesmo. E a culpa é toda minha, after all. Adianta eu falar que cansei? Já fiz isso umas três vezes só aqui no blog, pelo que eu reli por cima. Mas se eu mostro só as pontinhas das garras...



No fundo, mas bem lá no fundo mesmo, eu só preciso ser mais indecoroso, perder a vergonha, tanto no sentido de papas na língua quanto no que cês tão pensando.

A questão é: como?