sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Gratidão

"Você é um homem ou um saco de batata?"

Quando eu era criança e choramingava por alguma coisa, minha mãe vivia me dizendo isso. Hoje, eu só escrevo e ando de cabeça baixa. E a pergunta continua ecoando na minha cabeça.

Então eu deveria ser uma fortaleza indestrutível, não me frustrar com o fato de eu ter que adiar minha defesa do mestrado? Eu não tenho direito de me frustrar por eu, mesmo depois de formado e trabalhando (sim, trabalhando!), ainda ser economicamente dependente dos meus pais?


Claro, estou super feliz por estar sozinho em São Carlos, tendo que correr de casa por conta daquele crápula. Super feliz porque minha vida é tão excitante que meu plano para o final de semana é reler pela quarta vez um livro de mais de trezentas páginas.

Aqui a tristeza pula de alegria.

Daí eu sou obrigado a me contentar a receber essa mensagem (sic):

"2011 foi uma ano de muitos conflitos em minha vida, mas tb de mt alegria e uma delas foi ter conhecido vc e ter convivido um pouco, digamos mais profundo ;) vc é um amorzinho de pessoa (de verdade) adorei o pouco tempo q passamos juntos, Desejo q vc seja mt FELIZ e conte comigo sempre!"

Ah, não contei que a gente terminou no dia 4 de novembro. E digo "terminamos" porque bem possivelmente ela usaria esses termos, mas eu não. Na falta de conceito melhor, peguei emprestado. Pois então, por telefone; eu fingindo que estava  desabando. "Desliga você", ela disse, depois de um silêncio "perturbador". E desliguei mesmo. Além de tudo, tem que ficar fazendo cu doce? Pra cima de moi, não.

Mais tarde, eu ainda soube pela melhor amiga dela que, segundo a Diana, estamos (sim, no presente!) namorando. Ou seja, não só ela vê uma coisa que não existe, mas também ela não contou pra ninguém sobre essa última conversa que tivemos. 

Resumindo: ela ainda tem alguma esperança. Mereço.

E pra falar bem a verdade, eu estava sim com uma pontinha de arrependimento há uns dias. Mas daí eu descobri que era mera carência da minha parte, porque eu estou me sentindo muito solitário, excluído.

Enfim, voltando. Só queria saber o que foi que eu fiz pra merecer tanta pancada desse jeito. Mas não, imagina! Não tenho direito de reclamar, né. Minha vida está ótima, tenho um trabalho de que gosto mas o Gustavo não trabalha!, carro novo na garagem que eu não queria, saúde em dia hipotireoidismo e dano hepático não são problemas graves...

Acho no mínimo irônica (pra não falar que é hipócrita) essa gratidão que os mais religiosos têm com a vida deles. Agradeço a Deus por mais um dia, agradeço a Deus pela vida blablablá. Vão-se acumulando problemas e a oração é a mesma. Pensando assim, um moribundo vai agradecer pelas mesmas coisas. E é "obrigado" religiosamente a agradecer por elas.

Ninguém tem o direito de reclamar. A vida de todo mundo é linda, maravilhosa. Um brinde! Um brinde ao mundo! Um brinde à onipresente felicidade!

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Falei ali em cima sobre esse adiamento da minha defesa de mestrado. Foram uns probleminhas que aconteceram graças ao "governo dos escritórios", mas enfim, muito pior que adiar minha defesa é adiar minha tão desejada independência financeira.
Outra coisa que eu desejava muito era tirar esse aparelho nos dentes antes da minha defesa. Nesses termos. No fundo, eu quero me livrar desse incômodo logo. Pena que eu desejei errado: com essa minha defesa adiada, é evidente que meu desejo vai ser atendido.

Voltando ao que eu falei ali em cima, seria o "certo" eu estar feliz por ter meu pedido atendido, não é mesmo? Agradeço a Deus por ter adiado a minha defesa, pois assim eu vou defender meu mestrado sem aparelho.

Francamente.

Nenenzinho da mamãe

Odeio quando isso acontece comigo - quando me veem as ideias pra escrever justamente quando eu estou quase pegando no sono. Mas daí eu perco o sono e... não tem jeito, eu tenho que vir pra cá.

Já estou em São Carlos, incrivelmente. No dia 1º de janeiro, já arrumei as malas e saí de carro. Sozinho. Chovendo às baldadas, enfrentei a estrada. Potencialmente cheia por causa do feriado, perigosíssima por causa da chuva. Por sinal, aquaplanei duas vezes a 120 km/h. Mas que diferença isso faz, né? Enfrentei a estrada porque algo muito pior estava acontecendo naquela que foi minha casa por dezessete anos.

Não estava mais suportando não só o tédio, mas a simples presença do meu irmão mais velho, o Paulo*. Toda e qualquer palavra que ele falasse e que fosse a meu respeito ou que fosse direcionada pra mim tinha alguma farpa. Por exemplo, meus primos vieram pra cá também, e resolveram ir a um barzinho. Já completamente saturado só da presença do Paulo, falei que não iria. Porém, escutei uma conversa entre ele e minha mãe:

- Mas eu vou levar multa! Como que tá essa coisa aqui em Uberaba? - claro, ele estava falando sobre o fato de dirigir alcoolizado. - Eu não vou se o Gustavo não for!

[sim, cansei dessa vidinha de esconder meu nome.]

Isso, Paulo, muito bom! Você só vai se o seu irmão mais novo, que não bebe, não fuma e não trepa, for o motorista panaca da rodada. Claro, deixa pro Gustavo, o chofer eunuco de sempre.

A hora que eu me segurei muito e soquei a parede pra não socar a cara dele foi quando eu estava vendo TV e ele me chama na cozinha. Eu, idiota que sou, fui lá.

- Frita aí pra gente - e apontou pra um saco plástico com salgados congelados.

- Como é que é?! Não que eu estivesse ocupado, mas você teve a capacidade de me chamar aqui só pra fritar esses salgados "pra gente"? Você bem sabe que eu não estou podendo comer isso! Ou seja, você quer é que frite essa merda pra você!

Mesmo assim, peguei a caçarolinha em que costumava há séculos fazer isso. Peguei óleo usado, só de pirraça. Fiz de um jeito que eu tinha certeza que daria errado, também de propósito: coloquei cinco salgados de uma vez, só pra esfriar o óleo e o salgado ficar todo encharcado e mal frito. Mesmo ele, que não sabe cozinhar quase nada, viu que o óleo não estava quente e comentou:

- Mas tem que esperar o óleo esquentar... - com aquele tom condescendente que só ele tem. Cocky.

- Pra quem pediu pra eu fritar porque supostamente não sabia, até que você tá sabendo demais, não?

Não sei se foi por acaso, mas Gabriel* me chamou, falando que ia sair pra ir em algum lugar que nem lembro onde. Que ele fosse pro inferno, desde que isso me afastasse do Paulo, eu topava qualquer coisa. Peguei os cinco salgados mal-fritos com a escumadeira e joguei direto no lixo. Descontei toda a raiva que eu sentia na parede logo antes do meu quarto. Os nós do punho arroxearam na hora.

- Por que ele tem que ser desse jeito, Gabriel? Já faz vinte e dois anos que eu aturo esse crápula, e ele não muda! CHEGA! Eu não suporto mais! Vou embora pra São Carlos amanhã, nem que seja pra eu ficar a toa lá!

Só cheguei em casa mais tarde, porque Gabriel e eu precisamos passar na loja do meu pai pra buscar minha mãe, que estava sem carro. No caminho, Paulo ligou no celular dela.

- Ele estava perguntando se o Gustavo estava com você, Gabriel, porque começou a chover forte e ele poderia ter ido caminhar, daí ele poderia sair com o carro do Gustavo pra buscar ele no Piscinão.

- Agora ele me vem com dozinha, é? - e a hipocrisia tá mandando um beijo.

- Mas o que aconteceu?

- Ah, a Sra conhece o Paulo, né? - respondeu Gabriel por mim, encolhendo os ombros.

Não cumpri minha promessa, já que isso aconteceu antes do réveillon. Porém, não troquei um pio com o Paulo desde então. Nem desejei "feliz ano novo" pra ele.

E nem ele pra mim.

Conversando com o Diogo* sobre isso, ele me lembrou da briga entre meu pai e o meu tio, de que eu já falei aqui. Só foi apaziguada aos pés do túmulo da minha avó, e ainda assim não fez muita diferença (desculpa a franqueza).

- Olha, Diogo, eu não posso parar pra pensar no que nossos pais vão sentir com essa possível briga entre mim e o Paulo, porque a vida inteira eu pensei nos outros e só me fodi. Infelizmente, vai ter que ser desse jeito. Vocês bem sabem que não é frescura minha.

- Tanto é verdade que ele veio sozinho. Ninguém quer ficar perto dele mais.

- Então, caramba! Só que eu não estou suportando mais, não dá.

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Enfim, brigas de família à parte, o fato é que eu já estou em São Carlos por causa dele. Só que, mesmo eu reclamando para meus outros irmãos, sempre vai soar frescura minha. Porque, no final das contas, pra família inteira eu sou o nerd-eunuco-sistemático. Nunca vi! Parece que, enquanto eu não chegar ostentando uma namorada pra família, eu não vou ser respeitado lá dentro.

E é ostentando mesmo, com todas as letras. Por exemplo, quer falar que meus pais estão achando ruim desse rolo todo com meu irmão Diogo sendo o potencial pai da filha mais nova da ex-namorada periguete dele? Nada! Tenho certeza que, lá no fundo e mesmo que eles próprios não saibam, eles estão é achando bom, porque, afinal de contas, meu irmão é "pegador".
Outro exemplo é o gêmeo dele: por mais que meus pais escutem o Gabriel reclamando da namorada dele e falem mal dos dois pra mim (o que eu tenho a ver com isso?), no final das contas, meus pais estão é orgulhosos dele. Por mais que... bom, deixa pra lá.

Daí, por eu não ter namorada, não ter um emprego formal com carteira assinada, eu ainda sou o nenenzinho da mamãe, inocência pura.

Agora é a ironia que tá mandando beijos.

Sim, família, eu trabalho! Talvez se eu estivesse ralando umbigo num balcão e ganhando uma merreca, vocês reconheceriam isso mais como trabalho do que meu mestrado. Mas não, né, eu estou "só estudando". Eu posso ficar mais tempo em casa, porque eu estou "só estudando". A vida inteira eu só fiz isso, qual é a diferença agora?

Sim, eu faço piadas sujas, tenho pensamentos libidinosos. Sou humano, oras! E como tal, também tenho paciência limitada, apesar de vocês acharem que não.

Eu nunca fui eu mesmo. E a culpa é toda minha, after all. Adianta eu falar que cansei? Já fiz isso umas três vezes só aqui no blog, pelo que eu reli por cima. Mas se eu mostro só as pontinhas das garras...



No fundo, mas bem lá no fundo mesmo, eu só preciso ser mais indecoroso, perder a vergonha, tanto no sentido de papas na língua quanto no que cês tão pensando.

A questão é: como?