quarta-feira, 20 de junho de 2012

Rádio patroa

Lembra um quadro antigo do Zorra Total em que as empregadas domésticas de um condomínio se juntavam nas janelas das áreas de serviço? "Rádio patroa, vamo nessa que a fofoca é boa"? Então. Da mesma forma, eu sempre brinquei que existe uma rádio no meu departamento - impressionante como notícias correm naquele departamento. Sobre mim inclusive.

Explico.

Defendi meu mestrado no dia 20 de abril. Tem toda uma história de bolsa por trás dessa defesa, que não vem ao caso agora, e conto depois (senão eu perco o fio da meada, igual a última vez). Pra comemorar, peguei umas cortesias numa balada, o que me deu um trabalhão só.

Por respeito, por amizade, ou mesmo por piedade, convidei a Diana. Ficaria muito chato se eu não a convidasse, mas eu tinha a total certeza de que não estaria confortável se ela estivesse lá, espreitando cada movimento, como um grupo de hienas atrás de um gnu, preparadas para o ataque ao menor sinal de fraqueza.

Já pressenti isso desde o começo. Só que a "rádio patroa" não ajuda. Por facilidade, por conveniência, por vários outros motivos exceto carência afetiva, entreguei parte das cortesias pra ela, pra que ela distribuísse às pessoas do laboratório dela. E o que a rádio patroa faz? Fofoca, c'est claire.

Sim, sim eu sabia das consequências em confiar na prestatividade dela, mas vão pra puta que o pariu esse povo mexeriqueiro de quermesse. Outra consequência que eu em partes esperava era uma possível má interpretação desse pedido. Relevei, porque achei que estávamos resolvidos, ou seja, eu a estava pedindo um favorzinho como um amigo.

Quando cheguei, eu me arrependi um pouco dessa decisão. Sabe quando as pessoas começam a conversar com os olhos e sorrisinhos de rádio patroa? Então. A maneira que encontrei de evitar toda essa aura de conspiração em volta de nós dois, toda essa perseguição de ave de rapina, foi evitando ficar perto dela.

Encontramos lá dentro uma parte da turma do mestrado que entrou agora, que eu nem conhecia. Dentre elas, uma quase-conterrânea.

"Água? Como assim, você agora é mestre! Vamo beber!", ela disse.
Estava bebendo água, sim. Cansado do dia tenso e corrido, cansado só de pensar em enfrentar a rádio patroa, não estava bem-humorado. Não queria beber. Queria mesmo era ir embora. Mas eu era "anfitrião", primeiro a chegar e último a ir embora. Só consegui arranjar força pra ir em quatro cápsulas de pó de guaraná.
Terminei a água, parti pra uma caipirinha de saquê, só pra não ter o trabalho de ter que pensar, já que copiei a ideia da minha conterrânea.
"Sabe dançar?", perguntou. Balancei a mão, querendo dizer mais ou menos.

Devo ter dançado uns dois forrós e mais nada. Assim que acabou, ela olhou nos olhos, desceu um pouquinho e sorriu um sorriso discreto de menina meiga, que teria um quê de sensualidade inocente, se não fossem os dentes tortos. Claro que eu entendi o significado. Eu não soube onde enfiar a cara. Até que ela encontrou um lugar pra enfiá-la.

Na dela.

Nem tive tempo de reação pra fugir da finalização com chave-de-braço. Eu me senti o pior filho da puta da Terra: convido a Diana, peço o favor de distribuir parte das cortesias, dou sinal de segundas intenções, mesmo que eu não tivesse nenhuma e me deixo fazer uma coisa dessas?

Quando olho para o lado, vejo a Diana de costas, abrindo a porta da saída para os caixas. Pronto, agora a desgraça tá feita.


Como é que eu pude ser tão ridículo?


Já que a desgraça tava feita, dissimulei, mas não suportei muito. Desabafei com duas pessoas, mesmo que não tivesse intimidade suficiente com elas, mas que em partes são testemunhas de quase tudo o que aconteceu: Alê e Bruno. Nenhum dos dois estavam sóbrios o suficiente para tentarem falar alguma coisa além de "Aeeee" ou "Viche moleeque". Tudo bem que eu esperava algo do tipo, mas eu precisava por  pra fora o que se passava cá dentro.


Detalhe: até agora eu não sei o nome da lutadora que me finalizou. Melhor que eu não saiba mesmo, já deu problema demais e vai dar mais problema ainda. Whatever.


"Maaash não era voschê que tava fic-hic-ficando com a Lívia*?", disse uma das outras meninas da turma dos recém-mestrandos. Bêbada? Imagina.
"Oi?" ah, sim, obrigado por me falar o nome dela.


Fui embora um pouco depois. Não consegui dormir, a consciência pesando mais que as pálpebras, que antes estavam ganhando.

Logo na segunda-feira, uma pessoa, que em partes sabe do que se passou entre mim e a Diana, veio me falar que estão falando que a Lívia "agarrou um cara comprometido", nesses termos. Eita rádio patroa filha da puta!, respondi. Imagina só se esse povo tivesse se encontrado no domingo! Seria ainda antes de dois dias!


Depois de um tempo, me veio um pensamento: peraí, como que a turma de recém-mestrandos sabe do meu suposto (e falso) comprometimento? Ninguém aqui era nem graduado antes de tudo isso, impossível! Alguém contou! Quem?


Daí eu me lembrei da popularidade do Bruno. Boa-praça, easy-going... é a única pessoa que poderia ter esse tipo de "intimidade" com os recém-mestrandos e que ao mesmo tempo sabe de parte do que aconteceu entre mim e a Diana.


E de novo, um buraco no peito.

Pensando bem, eu nunca confiei no Bruno, nem na sua turminha de amigos. Vivem fazendo troça até hoje de tudo e de todos, vivem combinando programas na minha frente e não me convidam... Mas isso? O que eu fiz pra eles? Fiquei muito desapontado. Muito.

Além de ter perdido eternamente a amizade da Diana, agora estou praticamente sem ninguém por perto.

Minha vida desde então tem sido igual à da personagem de quem eu narrei há um bom tempo: Morgana, após ter falhado completamente sua missão de vida, se isola na sua antiga casa, na Cornualha. Tudo o que tenho tentado fazer está arruinado, Kevin, eu falhei, falhei.

Falhei com Diana, falhei em não manter contato com as minhas poucas amizades da época da graduação, do colégio. Desapontei Diana, que talvez tenha sido a única pessoa a ter me amado de verdade. Não sei o que fiz para ser motivo de chacota entre o grupinho do Bruno. Falhei, falhei. Até tenho em quem confiar, mas nenhum deles está aqui perto. O que me resta agora é esse doutorado que só vai resultar numa tese que vai ficar juntando poeira na estante da biblioteca.

Com a diferença que não há nenhum harpista Kevin para me acordar desse sono mórbido.

Foi daí que eu percebi que eu preciso definitivamente arranjar amizades novas. Mas isso fica pra próxima.

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